quinta-feira, 28 de julho de 2011

Silêncio, que se vai cantar ...

Para se ouvir este canto, de que falo, há que ser no ritmo de tudo.
Este canto não nos adentra pela audição. É um canto presente, suspenso, sem tempo, uma sinfonia atemporal.
Portanto, estar em meio à confusa dissonância diária, seja do tráfego, da festa que rola estridente, do vizinho que toca alguma coisa, em seu som, aos berros. Da choradeira, dos gritos, não, nada disso impede. É um canto autonomo a qualquer ruído.
É um canto que subjaz à forma, aos pensamentos, às emoções, um canto que se espreita no momento em o pensamento se interrompe e a emoção se defaz:
Quietude interna.
É o canto conhecido...da mente interrompida.
Mente = pensamento+emoção.
Uma operação que nos condiciona.
A soma que nos diminui!
Pensamentos nos conduzem, inexoravelmente, às emoções e a ações, sempre, é claro, reativas ao nosso entorno, e condicionadas por um sistema.
Sistema que nos dita a norma, a forma, a maneira de reagirmos sem que a gente, minimamente, se aperceba disso.
Dizem que o crime perfeito é aquele que jamais soubemos que foi cometido.
O impulso do condicionamento que quando damos por isso...já foi! E nem entendemos muito bem porque foi.
Curioso que tentamos retomar para fazer diferente após criterioso esforço de reflexão. Podemos até fazer diferente, mas sempre baseado nas conclusões disponiveis do nosso pensar. Que por sinal vê, percebe e decide dentro do estabelecido como “natural”,”normal”, e sobretudo “adequado” ao momento.
A pergunta que não quer se calar:
Natural ? Normal ? Adequado? Como assim?
Quem disse?
Quem determinou?
Resposta: Foi a conclusão do meu raciocínio, dos meus pensares...refleti!
Mas esta é uma palavra muito boa: refleti... ...reflexão... Já reparou que a gente usa este termo para falar de nossas conclusões?
E não é que é mesmo um reflexo do que nos ensinaram, nos disseram, nos impulsionaram, nos fizeram crer?
Ok, pô! Ainda podemos dizer que foi baseado em nossas vivências, experiências....etc. Ué, e como as conseguimos? Parece aquelas gaiolinhas de laboratório que o ratinho corre, corre e não sai do lugar.
Pensei, raciocinei, ouvi, li, aprendi, ponderei minhas vivências e tudo isto me remete a uma profunda reflexão.
De fato!
E nós ainda afirmamos que somos soberanos e livres!
É através dos pensamentos que acreditamos que com critério, com análise, fazemos a escolha da ação.
Oh, sim, fazemos....mas não é uma escolha livre. Não é uma escolha que parte de mim mesma, da minha legitimidade como ser, mas sim do que aprendi, vivi e aceitei como sendo assim mesmo.
E isso tudo misturado, torna-se o nosso perceber do mundo e a partir disso, julgamos, condenamos, criticamos, desejamos, acolhemos, dominamos...e somos levados para a emoção “apropriada”.
E... novamente ao que acreditamos ser um livre sentir.
Livre?
Somos como um disco arranhado, que repete, repete, repete sempre as mesmas emoções reativas a determinado evento externo. E formamos nosso conjunto de experiências, catalogadas, inseridas na biblioteca vivencial, emocional e lá deixamos para depois usarmos o racional para consultá-la.
Passamos a vida acreditando que somos livres, que temos liberdade de pensar e de sentir!
Sabe, é ruim perceber que somos enganados, que somos manipulados e que enganamos e manipulamos a nós mesmos.
Poucas vezes fomos de fato livres, estes momentos de livre ser de quando éramos crianças, de quando ainda conseguíamos agir com nosso ser tal qual ele era, inocente.
Mas com certeza absoluta, logo veio alguem para nos dizer que não era assim que uma criança boazinha devia se comportar, ou dizer, ou sentir.
E? Tcham, tcham, tcham ...inexoravel e gradativamente fomos condicionados.
Ao sistema familiar, ao sistema social, ao sistema financeiro, ao certo e ao errado.
Abrimos mão do conhecido para nos tornarmos um reconhecido social, familiar, finaceiro..
Fechamos nossos ouvidos ao nosso canto livre, ao canto conhecido.
Ao canto da soberania.
Da beleza espontânea. Robotizamos-nos e chamamos a isso de personalidade.
Ui! E ainda exaltamos o quão forte, bela e magnifica é nossa personalidade.
Essa que responde de forma eficaz ao que o sistema lhe exige.
Pena que este sucesso personal nos tenha roubado nossa legitimidade e nosso saber quem, verdadeiramente, somos.
Mas nem tudo se perdeu ou está perdido ...
O canto está ai, subjaz à loucura que apreciamos como sendo única realidade: tudo que vejo, toco, ouço e sinto.
O canto ...
Silêncio pois se vai cantar... o soberano som de que há mais para além dos sentidos impostos e condicionados.

sábado, 2 de julho de 2011