quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Hipocrisia

Ontem, conversava com minha amada sobre o quanto nos deixamos escravizar por este sistema falido. Falido? Sei não! Às vezes sinto um nó no estomago, na garganta, na alma. Fico testemunhando a soberania das pessoas, o direito inalienavel de liberdade descer pelo ralo da inconsciência, da ignorância, da hipocrisia. Não vou me estender muito, pois o relato abaixo é mais forte que qualquer coisa que eu diga.Trata-se de uma vivência de um estudante de psicologia social,não foi uma experiência, apenas! Só vou evidenciar alguns pontos, esta vivência foi em meio a um público universitário e de professores, mestres catedráticos. Ou seja, não estamos falando propriamente de ignorantes intelectuais. Estamos falando da USP, da Universidade de São Paulo! E mais, universitários que em sua maioria possuem um belo discurso anti-burguesia. Serão pretensamente libertários? Então vamos ver como a hipocrisia funciona, né? Vamos perceber o quanto o ser humano é desprezado, ignorado, vilipendiado pelo sistema. Agora, é bom saber que quem mantem este sistema somos nós. CADA UMA E CADA UM DE NÓS! Portanto enquanto não assumirmos a responsabilidade que somos nós que fazemos esta sociedade, somos nós que a mantemos, nossa soberania individual e coletiva continuará a ser um mero sonho! Uops, desculpem-me, mas será que alguém de fato sabe e sonha com esta tal de soberania individual e coletiva? Alguem sabe o que é isto? Acho dificil! Mas ela é nossa herança como seres humanos que somos. Ela passa pela auto-aceitação, pelo reconhecimento de quem somos nós, verdadeiramente, e não aquilo que o sistema nos impinge. Aquilo que o sistema nos diz, nos cochicha, diuturnamente, em nossa cabeça: Você não é nada, você não tem talento, você não tem poder algum.Você é apenas mais uma no meio do trilhões de humanos medíocres.E o pior, é que com esta tão pouca consciência de quem somos, repetimos com os outros aquilo que o sistema faz conosco: Desprezamos, criticamos, julgamos e discriminamos. E é como dizia Wilhelm Reich: Chamam-te "Zé Ninguém!" "Homem Comum" e, ao que dizem, começou a tua era, a "Era do Homem Comum". Mas não és tu que o dizes, Zé Ninguém, são eles, os vice-presidentes das grandes nações, os importantes dirigentes do proletariado, os filhos da burguesia arrependidos, os homens de Estado e os filósofos. ALiás, recomendo a leitura se quiserem clique aqui. Mas agora passo para o relato: Trata-se de uma entrevista com o psicólogo feita pelo jornalista Plínio Delphino para a Diário de São Paulo. Tese de mestrado na USP por um psicólogo "Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível" Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da "invisibilidade pública" O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida: "Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência", explica o pesquisador. O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão", diz. "No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: "E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?" E eu bebi.Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar". O que você sentiu na pele trabalhando como gari? "Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado. E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou? Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão. E quando você volta para casa, para seu mundo real? Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma "coisa". Ser ignorado é uma das piores sensações que existem na vida!" Preciso falar mais alguma coisa gente?

2 comentários:

Anônimo disse...

Existem invisiveis por todos os lados, esbarramos todos os dias neles, cruzamos os mesmo caminhos, e a cada dia uma nova historia a surgir.
Eu estou sempre atenta ao olhar, e persisto a nao perder os detalhes...e tenho consciencia dos BONS DIAS, BOAS TARDES, E BOAS NOITES, que tenho distribuido ao longo de minha caminhada.
Adorei este seu post, pq sempre toco neste foco, com as pessoas do meu convivio, alertando que as mudanças pessoas e' que fazem toda a diferença para a melhoria do todo.... e sensibilidade, compaixao, e um olhar refinado para o bem , so'´pode somar.
No meu trabalho e' o que mais vejo , quando estou em grandes eventos sociais, e' notoriamente um divisor os seres invisiveis que fazem parte da festa social.
Ex; garçons, porteiros, acessoristas,cozinheiros,faxineiras, e por ai vao....pessoas incriveis , com historias de vida que sao exemplos de vitorias...
E' uma pena realmente , que a massa tenha uma visao tao turva ...
E' triste esta cequeira social!
Mas nao perco a fe', pq basta um em cem, para que de vez em quando assopre um alerta em seu redor...e como propaga.....e o efeito e' fantastico!
Como este seu post de hoje.
Obrigada Andarilha por ser este sopro....
Beijos para vc e para Duca.
admiro a lucidez de vcs!
mineira,

Andarilha das Estrelas disse...

Mineirinha,
Gratidão pelo elogio.
Pois, é exatamente isto que ovcê colocou.
Se não começarmos a mudança em nós, como fica?
Simplesmente uma grande hipocrisia, uai!
Né messss???
Beijos