Há dias que fico assim, meio que pra lá e pra cá.
Um certo nonsense com a vida. Não é que a vida fique sem sentido, é que eu mesma fico sem sentido, sem norte, assim jogada que nem uma rolha no mar.
Fico ensimesmada, e acreditem, nem encontro causa ou um sinal de siga em frente ou dobre à direita, ou suba!
Uma estranha sensação de nuvem! Que tanto pode ser tangida quanto dissolver-se pelos ventos.
Ai me lembrei de um texto formidável, que se encaixa como uma luva nesta aventura, sim porque estar assim é uma aventura, se encaixa, perfeitamente, como se alguem me dissesse coisas sobre este estado peculiar de ser e não ser.
A primeira vez que tomei contato com este magnífico Rilke foi aos 24 anos e quem me apresentou foi minha saudosa Duse Nacaratti, esta que me foi uma mestra em tantos momentos de minha vida! Dela ouvi pela primeira vez uma frase que nunca mais esqueci: “Guru, temos uma nostalgia metafísica”. Sorrio hoje, pois ela me chamava de Guru, e quem na verdade sempre foi minha Guru foi ela! (aviso aos navegantes para que não venham a fazer ilações incorretas: Guru foi um apelido ou alcunha que amigas me colocaram quando eu tinha 19 anos e estava na Faculdade, e o apelido “pegou”, não porque eu era esotérica, aliás coisa que não era e não sou. Mas sim, pasmem, porque eu era estudiosa das teorias Marxistas, um delicioso paradoxo não?)
Então aqui posto um trecho desse belíssimo “Cartas a um Jovem Poeta”. Pois consegue falar com muita propriedade sobre este momento que passo:
“...Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas.
Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela.
Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar.
Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida.
Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente.
Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar.
Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora.
O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.
Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo).
Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo).
Mesmo assim, o exame de sua consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir.” Rainer Maria Rilke – Cartas a Um Jovem Poeta.
Gratidão!