quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Soberania

Estamos chegando ao final de mais um ano. E sempre estes momentos de festas natalinas e de passagem de ano lembram-me minha maravilhosa ancestral. Eu fui criada por minha avó. Uma matriarca! Uma mulher que tudo aquilo que eu sou hoje, eu aprendi com ela, vendo-a na vida.Vendo-a caminhar por seus próprios pés.Vendo-a cuidar de toda a família como uma líder libertária. Uma mulher semi-analfabeta, mas uma sábia, daquelas que nunca precisaram de livros ou de alguém que dissesse: Faça isso, faça aquilo! ã...ã... ela caminhava bela, erguida em sua própria sabedoria. Sabedoria conquistada a cada passo! De fato uma andarilha de si mesma! E que mulher! Uma soberana! E entre as muitas coisas que aprendi com ela de olhar, de olhar mesmo, de ver, de viver com ela, é que cada um faz seu caminhar, sua vida, seu saber. Foi com ela que eu aprendi o significado da palavra liberdade. Vendo-a! Foi com ela que percebi muito cedo o que é soberania! O que é responsabilizar-se por si e por sua própria existência. O que é saber de si e seguir seu próprio caminho. Ir e conquistar-se! E ao trilhar este rumo tão incerto, tão anárquico, desenvolver um profundo respeito pelo caminhar de cada individuo. E cada um é único! É igual, é a própria humanidade e assim sendo é o próprio Deus/Deusa! Tenho refletido muito sobre esta ação chamada soberania. Sim, porque é uma ação, acho mais pra um verbo do que para uma qualificação. Soberania sobre si mesma. Poder sobre si mesma, uma habilidade de impor-se a si mesma, de governar-se a si mesma, e de saber que todos são, igualmente, soberanos, de forma inalienável e indivisível. Não, não sou uma rebelde, sou apenas uma transgressora de uma sociedade que deseja roubar a nossa soberania e o faz sistematicamente. Estamos sempre a ouvir que precisamos de leis, de regras, de éticas, disso e daquilo. E estamos sempre sendo lesadas em face a estas mesmas leis, regras, éticas, etc. Uma sociedade normativa, preconceituosa, hipócrita, que privilegia os que tem poder estabelecido por estas mesmas normas distorcidas, e põem em causa o ser humano! Eu e minha amada Duca vivemos, momentaneamente, de forma virtual. Em nossos namoros virtuais fazemos de tudo, inclusive saraus. Ouvimos músicas juntas, lemos poemas uma para a outra. Etc. Por favor, aceitem o etc. ok? Dia desses, Duca me apresentou a José Régio e ao Cântico Negro. Aí está ele. Cântico negro José Régio "Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura ! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém! Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou, É uma onda que se alevantou, É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! Meus sinceros votos de que estes tempos sejam de reconhecimento da nossa soberania como Ser Humano!

9 comentários:

Anônimo disse...

Querida Andarilha, o que comentar depois de tao lindo depoimento....
So' posso dizer o quanto lhe admiro.
Vs mulher corajosa, sincera com vc mesma, e com todos a sua volta.
Vc e' uma pessoa muito especial, e acredito que a Duca tb o seja.
Beijos para este casal ,com meu carinho terno!
mineira

pixel disse...

e se conseguir ouvir este poema por João Vilaret sentirá um arrepio. A homosexualidade de Régio foi uma cruz que ele carregou até ao fim. Um poeta impar, sem dúvida. Não lia este Cântico Negro há muito. Ouça-o também pela Bethania, se a memória não me falha e veja tão bonito fica .
Gostei de recordar.:)

Andarilha das Estrelas disse...

Mineirinha
Gratidão por suas palavras.
Procuro, mesmo, ser coerente comigo mesma.Nem sempre consigo é fato!
MAs prefiro estar atenta do que omissa.
Beijinhos

Andarilha das Estrelas disse...

Eu,
Também achei este poema demais!
Minha amada, também, me apresentou ao João Vilaret.É lindo e arrepiante mesmo.Quanto a Betânia, hummmm....sei não, fica dificil pós Vilaret.

Anônimo disse...

Hummmm deve ter gente muito ansiosa por estes dias,,,,rss
ahhhh nada como a chegada do AMOR!
beijossssssss felizes por vcs.
mineira

Duca disse...

Amor,

Faltam 3 dias! Uai! Que sufoco! São os 3 dias mais longos da minha existência!

Quanto à soberania, puxa, como temos trabalhado nesse sentido, não é meu tesouro? O problema é esta constante batalha interna com o ego. Enfim, esta dualidade que nos trama mas também nos ensina.

Beijo

Andarilha das Estrelas disse...

Mineirinha,
Põe ansiedade nisto.É tanta que fico desabotinada.
hehehehehehehe

Andarilha das Estrelas disse...

Duca,
Puxa! Quanta honra em te-la por aqui deixando um comentário!:)
Sim,são longos estes dias e estes tempos.
Não tem efeito Shumann que dê jeito!
E quanto a caminhada que fazemos uau! Ela é linda!Penso que de mãos dadas, podemos faze-la mais amena e mais flúida.
Beijos saudosos e cheios de ansiedade.
"Ah! Se te pego a jeito....."hehehehehehehe
Nem vai ter Papai Noel pra apartar!

Marcia Paula disse...

Tudo muito bonito como sempre,coisas do coração.Beijos.